domingo, 18 de janeiro de 2009

Histórias do Casarão (Segura a galinha!)



Era um Domingo lindo de primavera, estávamos no casarão de São Cristovão, eu, minha mãe e meu irmão, meu pai já havia saído.


Eram mais ou menos 9h30, estávamos ainda na cama e a campainha da porta tocou.


Era dona Dora, uma senhora de aproximadamente 65 anos, corpulenta, muito sorridente e brincalhona.


- Como vai dona Lea, e as crianças estão bem?

- Ta tudo bem dona Dora, mas essa casa é muito grande e essas crianças fazem uma bagunça danada, deixam tudo espalhado, qualquer dia desses, não sei não...
Largo tudo por aí e sumo!

- O que é isso dona Lea?! É assim mesmo, a minha filha já está adulta, graças a Deus, mas ainda me dá um bocado de preocupação...

- O pai deles sai cedo de “banhozinho” tomado, pega o carro e vai jogar sueca com os amigos lá na Capitão Salomão, em Botafogo, e não tem hora para voltar. Às vezes, quando tem jogo do Vasco, ele emenda e vai para São Januário.
Minha filha, rezo para o Vasco ganhar, porque quando ele perde é um nojo para aturar.

- Homem é assim mesmo dona Lea, o importante é não faltar nada dentro de casa, né?!

- Ah, isso é verdade! Tem muita fartura de comida e tudo o que eu preciso ele compra, é só eu ficar aborrecida que ele vem todo carinhoso trazendo um presentinho, um agrado... Sabe dona Dora, ele pode ser o que for, mas eu amo o meu marido.

- Dona Lea, ele vai sempre para esse jogo de sueca, a senhora não tem medo de ele te trair com outra mulher?

- Ele é que não se faça de besta, eu pego ela pelos cabelos e não solto mais...

- Ué, dona Lea, é nele que a senhora teria que bater e não nela!

- Nada disso, ele é homem, se fizer isso é porque a “vagabunda” se insinuou.
Como dizia minha mãe, o homem sacode as calças e a mulher cria barriga.

E eu ali, naquela hora da manhã, escutando aquele papo todo com o travesseiro sobre minha cabeça apertando-o em meus ouvidos, tentando dormir mais um pouquinho, que coisa desagradável, por que essa mulher não vai embora, droga?

- Dona Lea, o papo está muito bom... mas acabei até esquecendo o que ia dizer, ah ... a senhora sabe matar galinha?

- Eu, “desconjuro”! Nunca matei galinha em minha vida, dona Dora!

Levantei a cabeça, o quê?
Não acredito no que estou ouvindo...

- É que eu ganhei uma galinha da minha filha, ela trouxe lá do sítio e vem para almoçar comigo. Pediu para eu preparar ao "molho pardo”, aquele que é feito com o sangue dela, sabe?

- Eu sei, Dona Dora, a senhora me desculpe, mas eu não vou poder te ajudar.

O meu irmão Maurício (13 anos), levantou do sofá e falou...

- Eu sei matar galinha dona Dora!

Dessa vez caí no chão pelo pulo que dei.

- Você “sabichão”, sabe matar galinha?

- Onde já se viu?! Meu filho nunca matou uma galinha, aliás, não mata nem mosca!
Não fica inventando moda Maurício, não vai me arrumar outra confusão, por favor!

- Deixa ele dona Lea, ele é um menino corajoso, se ele quiser pode matar a galinha.

- Oba! Vou mostrar para vocês, eu vi na televisão um homem matando uma galinha, é fácil!

Eu estava perplexo, inerte, não podia acreditar no que estava ouvindo!

- Dona Dora, eu não me responsabilizo, isso é loucura, um garoto matar uma galinha, coitada!

- Deixa disso, vamos lá, todos lá para casa dar uma força para ele!

Que mulher louca! Será possível?! Essa eu vou ter que assistir!

A casa de dona Dora era muito bem decorada, com móveis antigos, muito finos, dava gosto de ver.

A cozinha era espaçosa, com armários embutidos de madeira maciça, tinha uma bancada de mármore bege Bahia muito grande, muito bem arejada com um basculante em cima da pia.


Tudo brilhava como espelho. Na sala, o chão era todo de tábua corrida com um lindo tapete (parecia persa) e tudo muito bem iluminado.


- Vamos lá “sabichão”, aqui está a galinha, já está amarrada pelos pés para facilitar.

Bem, só pelo modo que meu irmão pegou na galinha dava para ter uma idéia do que iria acontecer.

- Dona Dora, a galinha que eu vi sendo morta na TV não estava amarrada nos pés, é melhor desamarrar as pernas dela e fazer igual.

- Maurício, meu filho, pare com isso, você não vai conseguir. Dona Dora, a senhora me desculpe, mas é melhor chamar outra pessoa, ele é um garoto!

- Dona Lea, a senhora tem que acreditar mais no seu filho, ele é novo, mas muito maduro e corajoso para a idade dele.

Essa mulher está delirando, só pode!

- Dona Dora, traz uma vasilha para eu colher o sangue e um banquinho para eu me sentar.

- E a faca “sabichão”, cuidado que ela está bem amolada, hein!

- Deixa na bancada, eu vou matar e depois cortar em baixo do pescoço para tirar o sangue.

Essa eu quero ver!

- Como é que você vai matar “sabichão”, não é com a faca?

- Não, primeiro pego ela, coloco entre as pernas, igual vi na televisão, torço o pescoço dela depois tiro algumas penas do pescoço e corto a “veia”. Depois é só colocar na vasilha o sangue segurando a cabeça dela, é fácil!

Deus, não acredito, será possível, que raios de programa é esse que ele viu na televisão?!

- Ta bom “sabichão”, vamos lá com isso!

Existia uma expectativa muito grande, minha mãe fechava os olhos e mordia os lábios.

Dona Dora estava tensa e suava muito e eu, cara.......ca , não sabia o que fazer!


Quando meu irmão colocou a galinha entre as pernas e torceu o pescoço da pobrezinha, ela deu uma cacarejada tão alto que ele jogou a galinha para o alto e correu para a sala. Pingava sangue para tudo que é lado!

Nessa altura dos acontecimentos, minha mãe estava na porta da frente que estava entreaberta, em pânico total gritando socorro...

Dona Dulcinéa, outra vizinha, mulher do seu Antônio, jornaleiro, desceu a rua ainda de camisola, junto com seu Antônio, que estava de pijama e com o jornal embaixo do braço, com os olhos esbugalhados e perguntando “o que houve, meu deus?”. A minha mãe gritava para ela, “é a galinha!”

Dona Dora, coitada, estava pálida e em choque, só mexia o tronco, os seios dela, que iam até lá quase na cintura, balançavam de um lado para o outro por baixo do vestido, e gritava “fechem a porta e o basculante, que ela vai sair!”.


Eram penas e gotas de sangue para tudo que é lado, paredes, chão, tapete (persa?)...

Até que a pobre galinha parou em cima do sofá formando uma poça de sangue, exausta e agonizando.

Dona Dulcinéa recolheu a bichinha e a levou para a cozinha. Tinha umas oito pessoas da vizinhança na casa de dona Dora, quando a campainha tocou...


Minha mãe, mais próxima da porta, abriu... e, para nossa surpresa, era o meu pai.


Essa eu vou deixar ele falar:

- Oi Lea! Soube que tem uma galinha ao molho pardo para comer!

- Walter, não me fale em galinha porque eu não me responsabilizo pelos meus atos, VÁ PARA LÁ JUNTO DOS SEUS AMIGOS JOGAR A SUECA E NÂO APAREÇA TÂO CEDO!

Meu pai não entendeu nada, coçou a cabeça e entrou...

Nunca vi mamãe tão nervosa, que confusão! Na cozinha tinha penas ainda voando!

Logo tudo se acalmou, as pessoas foram indo embora, mamãe ajudou na limpeza junto com meu irmão que já estava com as orelhas vermelhas, de tanto puxão que minha mãe deu.

Enfim, a galinha ao molho pardo ficou pronta, dona Dora fez questão que a gente almoçasse com ela, pois a filha dela, acredite, ligou dizendo que não podia ir almoçar.


Meu pai sentou-se à mesa e... vou deixar de novo ele falar:

- Dona Dora, a galinha está muito boa, só falta mais molho pardo!

Minha mãe, de punho fechado, encostou no nariz dele e disse:

- Cala a boca, Walter!

Que dia, inesquecível, cara........ca !!



Sidney Paternoster Esteves
Rio, 03/12/2008

2 comentários:

Anônimo disse...

Posso mesmo imaginar Mauricio oferecendo...Hahaha...

FERNANDO MEDEIROS disse...

Para quem conhece o Maurício, o unico comentário à ser feito é.

SEGURA O MAURÍCIO E SOLTA A GALINHA