domingo, 18 de janeiro de 2009

Histórias do Casarão (NATAL)



É inevitável, sempre que chega esta época de Natal, recordo-me dos momentos maravilhosos que vivi no casarão.

A começar pela decoração, a montagem da árvore que normalmente era feita pelos meus pais.

O difícil era chegarem a um acordo nos enfeites, o que colocar, como colocar as luzes enfim, prevalecia quase sempre à vontade do meu Pai, mas minha Mãe não se importava, acho até que se sentia muito feliz porque no final, sempre ficava bonita.

Todo aquele movimento na preparação da ceia, discutindo idéias, opiniões sobre o que fazer, como fazer, o que servir primeiro, a distribuição dos presentes que sempre era na véspera, porque ninguém aguentava esperar o dia.
Chegava um dava os presentes e os outros acabavam fazendo a mesma coisa, era muito legal.

O movimento na cozinha era imbatível, a nossa cozinha era muito grande e comportava muita gente, além de ter uma dispensa que mais parecia um quarto.

A turma ficava “beliscando” uma coisa e outra, muitos risos e historinhas ocorridas nos anos anteriores.

Minha Mãe era só felicidade, os filhos, as noras, netos estavam todos ali, elogiando a comida, agarrando, apertando e beijando, era a glória para ela.

Sempre foi uma grande satisfação para os meus pais verem todos ali reunidos.

Era uma “deliciosa” confusão que até hoje sinto muita falta.

Em um desses natais, na verdade na véspera, resolveram apanhar o baralho e jogar “sueca”, quase sempre jogavam em uma mesa a beira da piscina.

O meu Pai vivia me chamando para jogar e eu sempre evitava aquele jogo, aquilo era um verdadeiro “campo de batalha”, sempre que eu tentava era “detonado”!

Começava todos calmos, sorrindo, daqui a pouco começava a gozação;

O meu irmão Ricardo dizia:

- Eu sou campeão desse jogo!


O meu irmão Maurício, dizia:

- “Cale-te”, ninguém me ganha nesse jogo!


O meu Pai dizia:

- O meu Pai, seu avô, vendeu uma padaria para me ensinar esse jogo!


Falava-se de futebol, do Vasco, era só alegria.

O parceiro do meu Pai neste ano foi o nosso primo Beto, ele era um pouco gago, ainda mais quando ficava nervoso.

A minha irmã desistiu, também ela só era chamada de “burra”!

Isso era só o início, ficava um bebendo cerveja, o outro vinho e “beliscando” alguns aperitivos que mamãe generosamente ia colocando na mesa.

O tempo foi passando e o meu pai perdendo. O Maurício e o Ricardo não perdoavam e começaram a “sacanear” o meu pai por isso. Ele tinha o pescoço duro por causa de uma calcificação, como não podia virar o pescoço para olhar para o lado e falar com as pessoas, precisava levantar um pouco da cadeira e virar o corpo acertando o colarinho da camisa, sabe, ele nunca se deixou abater, não estava nem ai para aquilo e eu o admirava muito pela fibra que ele tinha ...

Pois bem, ele virou e falou :

- Não fo - - não, vocês estão dando sorte !

Virou para o Beto e disse :

- Pô Roberto, você tem que contar as cartas!

O Roberto já nervoso, respondeu:

- Ti ti tio pooo xá xá viii vida, eeeu tô tô cocontannnndo, é que que nãoooo tá tá tá vinnndo nanaaaada!

O Maurício adorava, ria o tempo todo, existia uma certa tensão, o Maurício ficava sacudindo as pernas o tempo todo por debaixo da mesa e o Ricardo torcia o pescoço e levantava levemente a bunda da cadeira e a cada jogada errada do “velho” o Maurício apontava para a mesa e dizia :

- Olha lá, olha lá, á carta que eu queria, obrigado Pai!

Até que ele, Maurício, exagerou e falou!

-Ta muito fácil, assim não jogo mais!

Os dois riram de se acabar e o meu Pai “cuspindo marimbondo” olhou para o Beto ...

- Iiiiiiiii nããããão ooooolha pra pra pra miiiiim nanããããão quê quê euuuuu nanãããão te te tenho cú cú culpa nenhuuuma!

Eu senti que a situação estava crítica, fiquei do lado só observando até que, o meu Pai por causa do nervoso, cometeu um erro e fez uma jogada errada;

E o Beto falou:

- Iiiiiiii tá tá tá veveennndo á á me me merda quê quê tu tu fê fê fez!

O meu irmão Maurício se jogou no chão de tanto rir, o Ricardo não conseguia nem falar até que conseguindo se controlar e “esmerdalhou” tudo falando:

- Acho que o meu avô gastou dinheiro a toa para te ensinar!

O meu Pai jogou as cartas na mesa, saiu se sacudindo todo igual a um boneco, empurrando a camisa para trás, puuuuuto da vida gritando para minha mãe :

- Léa trás os bolinhos de bacalhau!

A minha Mãe lá da cozinha, gritou:

- Pára com isso Walter, que gritaria é essa, você perdeu?

E ele respondeu, vermelho igual a um camarão:

- Não me “aporrinha” não, Léa, faz favor!

Não posso deixar de dizer, eu quase fiz xixi nas calças, caia lágrimas dos meus olhos de tanto rir.

Logo depois chegou a minha Mãe com os bolinhos de bacalhau quentinhos e falou carinhosamente para ele:

- Deixa de ser bobo Walter é brincadeira deles, come esse bolinho, está uma delícia e colocou na boca dele.

Só os maravilhosos bolinhos de bacalhau da minha Mãe para acalmar os ânimos.

À tarde, após almoço, dormia um aqui, outro ali e é claro, o Maurício e/ou o Ricardo sempre arrumavam um jeito de pintar o rosto de alguém enquanto dormia.

Ao entardecer chegava a minha Tia Irene com a minha querida Avó Maria, uma portuguesa daquelas de “bigodinho” com o seu sorriso “gengival”, detestava usar dentadura.

No Natal, ela sempre gostava de beber uma taça de vinho (português) e um cálice de bagaceira portuguesa. Contava que em Portugal, ela é que fazia a bagaceira.

Após a sua morte aos 96 anos, nunca mais conseguimos reunir todos em um mesmo lugar e o Natal nunca mais foi o mesmo.

Na hora da ceia, farta e variada, todos acabavam comendo um pouco mais do que o necessário.

Fazia-se um brinde, com um gostoso “feliz Natal”, sorrisos “abertos”, olhos marejados de felicidade, uma pequena prece, abraços e beijos, promessas de dias melhores, palavras de amor e carinho.

Saía dali com a certeza de que Eu e todos ali, nunca ficaríamos sozinhos.


Sidney Paternoster Esteves
Rio, 17 de Janeiro de 2009

2 comentários:

Anônimo disse...

Incrível a descrição do vovô! hahahaha... Sempre jogando a camisa pra trás e gritando "Lééééa!". Muito bom!!

Ceci disse...

Verdade lembro bem de Sr Walter gritando: porra Leiaaaaaaaaaaaa. nao era lea nao...Otimo escreva mais...