sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Histórias de Botequim (Pic- assassina)



Em um desses sábados maravilhosos de verão resolvi ir para o Rio e sair um pouco de Maricá. Estava com saudade do chopp gelado no boteco Café e Bar Columbia ou bar do português (do meu amigo Adão) lá na Tijuca.

Vivi ali grandes momentos com o meu pai e meus irmãos, fiz grandes amizades e estava sentindo falta da “conversa fiada”.

Bem eclético, o boteco recebe vários tipos de pessoas, com variadas profissões, além, é claro dos aposentados, enfim, uma mistura muito boa que torna os assuntos os mais variados possíveis.

Fala-se de trabalho, notícias da semana, política, mas o assunto “quente” é o futebol, ainda mais que o Adáo é vascaíno e dos bons!

É benemérito, muito bem relacionado no Vasco e é claro, muito bom de papo.

Estava no meu segundo chopp quando chegou o "metrô", todos o chamam por este apelido ou de João.

Ele é aquele cara tranquilo, gosta de jogar uma bola no fim de semana, curte uma sauna no Club Municipal e só vive bem humorado, sorrindo para todos e o curioso é que mora em Vila Isabel, mas está sempre ali com a turma do botequim.

Estudei com ele no Pedro II, em Botafogo, e não o via há muito tempo.

Ele pediu uma cerveja e começamos a conversar sobre os velhos tempos, dos amigos da adolescência, até que ele me contou uma história que aconteceu com ele, daquelas “cabeludas” e inacreditáveis!

Tudo começou quando entrou um cara no botequim, virou para ele e disse:

- E aí “pic- assassina”?

Ele acenou com um sorriso "amarelo" e começou a contar a história:

- Pô Sidney, se eu te contar você não vai acreditar!

- Conta aí, já estou curioso!

- Conheci há um tempo atrás, a Jacira e vivia um relacionamento muito legal, ela era viúva, tinha uma filha que gostava muito de mim e de vez em quando, eu ficava na casa dela.

- Mas você não é casado?

- Sou, mas, sabe como é que é, essas coisas acontecem!

- Claro, e aí, o que aconteceu?

- Era uma sexta-feira e dormi no apartamento dela, de madrugada me despedi e fui embora...

- E sua mulher não te deu um desgaste?

- Não, no meu trabalho eu só vivo viajando e tenho um bom álibi.

- Ah, sim!

- Pois bem, logo pela manhã recebi uma ligação da filha dela dizendo que a mãe tinha falecido, teve um infarto fulminante, por pouco não aconteceu comigo lá.

- Que situação, João!

- Nem fala, o pior é que naquele momento eu jamais poderia imaginar que um dia viveria uma situação bem pior do que esta.

- Como assim?

- Semanas depois conheci a Ermengarda, uma coroa bonita, separada, com uma filha já adulta que lhe deu um netinho.

- Você é louco cara, se arrisca muito!

- É cara, dessa vez quase eu me dei mal, parece que foi castigo, dormi um sábado no apartamento dela e o pior é que naquele dia, ela estava menstruada, coisa que não acontecia há algum tempo, pois estava entrando na menopausa.

- E a sua mulher?

- Havia falado com a minha mulher que ia para São Paulo, foi a minha sorte!

- O que aconteceu?

- Acordei bem cedo e fui fazer café, levei um para ela na cama e quando fui acordá-la com um beijinho, senti que ela estava gelada igual uma pedra de mármore e constatei que ela estava morta, joguei o café para o alto e entrei em pânico!

- Eu não acredito!

- Pode acreditar, não sabia o que fazer naquela situação, fiquei andando de um lado para o outro e resolvi chamar a filha dela, liguei para ela e falei que precisava lhe falar com urgência, para ela vir o mais rápido possível na casa da mãe que eu estava aguardando. Ainda bem que era perto!

- Que situação!

- Eu até pensei, “vou embora e largo tudo aí”, mas depois pensei e vi que poderia dar alguma “zebra” e isto era a última coisa que eu queria naquele momento...

- Porque você não ligou para os bombeiros?

- Eu não conseguia raciocinar direito, fiquei esperando a Selma, filha dela, para combinarmos o que fazer.

- Tocou a campainha, pensei, era a Selma!

- E não era ela?

- Não, era a vizinha, dona Luiza, uma senhora de uns 80 anos mais ou menos e que tinha marcado de sair com ela para caminhar. A Ermengarda já havia falado dessa senhora, já estava com uma certa esclerose e era muito só, por isso de vez em quando saía com ela para fazer companhia.

- O que você falou?

- Mal abri a porta e a mulher já foi entrando e perguntando pela Ermengarda e eu disse que ela estava dormindo e que não estava passando bem, para ver se ela ia embora, né?!

- E aí?

- Ela nem ligou, foi para o quarto dizendo que ia ver como ela estava.

- Caraca...

- Só escutei um “berro” que deve ter acordado o prédio todo.

- O que você fez?

- Naquela hora eu só queria sumir, chorar, sei lá e a Selma que não chegava!

- Não demorou muito para encher a casa, chegou todo mundo junto, tinha porteiro, vizinhos, bombeiro e a polícia.

- E a Selma?

- Pois é, ela chegou em um péssimo momento.

- O que você falou para ela?

- Ela já chegou assustada com todo aquele movimento, olhou para mim, eu devia estar pálido e me perguntou, o que aconteceu, por que toda essa gente?

- Selma, acho que tem alguma coisa errada com a sua mãe!

- Porque você não entrou logo no assunto?

- Eu quis prepará-la, sabe aquela história “o gato subiu no telhado...”

- Pô João, não brinca!

- Eu estava perdido com todo aquele tumulto e continuei falando com ela:

- Eu sacudo e ela não acorda, acho que está morta!

- Morta, a minha mãe, o que você fez com ela?

- Pô Sidney, quando ela falou isso, as minhas pernas tremeram, nunca tive tanta saudade de minha casa e imaginei, “se minha mulher souber disso”, só faltava chegar algum repórter para “esmerdalhar” tudo.

- João é inacreditável! E o que você respondeu?

- Ué, que não havia feito nada, que havia dormido com a mãe dela e quando acordei pela manhã e fui dar um beijo nela, notei que ela estava fria, igual mármore!

- E ela como reagiu?

- Não deu nem tempo, sabe a dona Luiza? Aquela velha! Quando me lembro dá vontade de chutar o traseiro dela!

- Mas por quê? Coitada da mulher! Ela deve ter levado um grande “choque” ao ver a amiga morta estendida na cama.

- Sidney, ao ouvir a voz da Selma, filha da Ermengarda, ela correu para a moça e falou aos gritos:

- Selma, Sr. Delegado prenda este homem, eu sempre falei para a Ermengarda não confiar nele!

- Eu não acredito que essa mulher falou isso!

- Pois é, falou, e eu respondi que ela estava fora de si e que não sabia o que estava falando.

- E aí ela falou a seguinte besteira:

- Sr. Delegado, o senhor pode olhar lá no quarto que deve ter havido alguma briga, tem uma xícara de café quebrada no chão, café espalhado por todo canto além da cama estar com mancha de sangue.

- O que o delegado falou?

- Me perguntou o que eu tinha a dizer e eu disse:

- Sr. Delegado, o sangue que está na cama é da menstruação dela...

- Não tinha nem acabado de falar e a dona Luiza aos gritos falou:

- Mentira Sr.Delegado! Ela já estava na menopausa, este homem é mentiroso!

- Aí eu fiquei bravo, apontei para ela e falei:

- Se a senhora acha que estou mentindo, chame um médico para constatar e se a senhora quiser pode colocar o dedo e cheirar tá bom?! Quanto à xícara e o café no chão, quero te dizer que estava levando o café para ela na cama e quando vi que ela estava morta, levei um susto filho da p... e joguei aquela merda para cima. É isso aí seu delegado!

- João como você saiu dessa?

- Tive que ir para a delegacia prestar depoimento, ainda bem que o delegado era legal entendeu a minha situação e não conseguia disfarçar o sorriso. Ele escutou todo mundo, inclusive o médico que chegou no local e pôde adiantar que havia sido infarto fulminante, além é claro da Selma, que embora não aprovasse o relacionamento da mãe com um homem casado, tinha grande estima por mim.

- João, realmente é uma história incrível, vê se toma jeito agora!

- Sidney, eu vou parar com isso. Deus me deu outra chance e eu vou parar, eu preciso parar!

- Mas João, se “pintar” outra na “área”?

- Bem, tem uma condição!

- Qual?

- Peço um eletrocardiograma dela e se tiver problema de coração, pode ser a miss Brasil, tô fora!


Sidney Paternoster Esteves

Rio 17/01/08

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Histórias do Cotidiano (Um sorriso no caminho ...)



Sabe estas noites que você não consegue dormir direito pensando no que te espera no dia seguinte?!

Saí muito cedo de casa para concluir junto com a equipe, um projeto de um cliente.

Entre cálculos e recálculos, saí apressado levando comigo uma proposta que fecharia a minha meta no mês.

Era um cliente exigente e muito formal que não admitia atrasos.

Lá fui eu de terno e gravata com uma pasta contendo a minha realização.

Ao passar pela Rua Camerino, em frente ao colégio Pedro II, deparei com uma cena inusitada. Uma senhora suja, vestida em farrapos, de rosto bonito e ao seu lado uma moça igualmente vestida, com Síndrome de Down, aparentando aproximadamente 25 anos, retirando arroz cozido do bolso e comendo.

A senhora parecia ser a sua mãe, dirigiu-me um olhar que jamais esquecerei, um olhar de sofrimento, um olhar de apelo e de tristeza...

Olhei a hora e segui em frente com aquela imagem em minha mente, de repente parei. Foi como se alguém ou alguma coisa sussurrasse dentro de mim, em meus ouvidos VOLTE! VOLTE!

Voltei, fui a uma padaria comprei roscas, biscoitos e fui ao encontro daquelas duas mulheres que, sabe-se lá porque, estavam naquela situação.

Abaixei e entreguei as roscas e os biscoitos àquela senhora e à moça que ao apanhar a rosca, começou a cheirar e a comer com um olhar distante.

Foi aí que recebi um presente que guardarei para sempre em minha mente, um sorriso indescritível acompanhado de um olhar que brilhava de felicidade, de amor, de gratidão.
Um olhar mágico que me fez esquecer os meus problemas e repensar a vida.

Saí dali tranquilo e feliz por ter feito aquilo, por ter ouvido aquela voz que deve ter sido de um anjo, pedindo que eu voltasse...

Nesta altura, não conseguiria chegar na reunião na hora marcada para entregar o projeto junto com a proposta e por incrível que pareça, não me importei nem um pouco com aquilo.

Estava relaxado e com uma paz interior tão grande que ao entrar no escritório do cliente, começando pela secretária, todos diziam:

- Você está muito bem, parece muito feliz, que sorriso é este?

E eu estava mesmo, feliz, leve e solto.

Perguntei pelo diretor e recebi como informação que, contrariando o dia-a-dia, ele estava retido em um engarrafamento e estava atrasado, era inacreditável. Enfim, fechei o contrato e até hoje guardo a imagem daquelas pobres mulheres e principalmente, daquele sorriso puro e sincero que me fez repensar procedimentos e ter mais sensibilidade com tudo que acontece ao meu redor.

Um presente divino que até hoje guardo em minha mente e no meu coração.


Aprendi que não importa o que você está vivendo agora, não ignore os avisos que surgem a todo instante, não pense só em você. Quando você sentir alguma coisa diferente em você mesmo, quando ouvir alguma coisa dentro de si tentando te dizer algo, pare, pense, escute e olhe ao redor. Você pode estar escutando e/ou vendo a resposta que você precisa para aquele momento da sua vida.

O Universo conspira sempre ao nosso favor, nós é que muitas vezes não percebemos os avisos que surgem a todo o tempo estampados à nossa frente e não conseguimos enxergar porque, na maioria das vezes, estamos tão preocupados com nós mesmos que não podemos perceber que, a solução daquele problema pode estar ao nosso lado, ali no chão, olhando para você e que por ironia do destino, quando você pensa que ajudou aquela pessoa, na verdade você está ajudando muito mais a você mesmo.


Sidney Paternoster Esteves

Rio, 05/2001

domingo, 18 de janeiro de 2009

Histórias do Casarão (NATAL)



É inevitável, sempre que chega esta época de Natal, recordo-me dos momentos maravilhosos que vivi no casarão.

A começar pela decoração, a montagem da árvore que normalmente era feita pelos meus pais.

O difícil era chegarem a um acordo nos enfeites, o que colocar, como colocar as luzes enfim, prevalecia quase sempre à vontade do meu Pai, mas minha Mãe não se importava, acho até que se sentia muito feliz porque no final, sempre ficava bonita.

Todo aquele movimento na preparação da ceia, discutindo idéias, opiniões sobre o que fazer, como fazer, o que servir primeiro, a distribuição dos presentes que sempre era na véspera, porque ninguém aguentava esperar o dia.
Chegava um dava os presentes e os outros acabavam fazendo a mesma coisa, era muito legal.

O movimento na cozinha era imbatível, a nossa cozinha era muito grande e comportava muita gente, além de ter uma dispensa que mais parecia um quarto.

A turma ficava “beliscando” uma coisa e outra, muitos risos e historinhas ocorridas nos anos anteriores.

Minha Mãe era só felicidade, os filhos, as noras, netos estavam todos ali, elogiando a comida, agarrando, apertando e beijando, era a glória para ela.

Sempre foi uma grande satisfação para os meus pais verem todos ali reunidos.

Era uma “deliciosa” confusão que até hoje sinto muita falta.

Em um desses natais, na verdade na véspera, resolveram apanhar o baralho e jogar “sueca”, quase sempre jogavam em uma mesa a beira da piscina.

O meu Pai vivia me chamando para jogar e eu sempre evitava aquele jogo, aquilo era um verdadeiro “campo de batalha”, sempre que eu tentava era “detonado”!

Começava todos calmos, sorrindo, daqui a pouco começava a gozação;

O meu irmão Ricardo dizia:

- Eu sou campeão desse jogo!


O meu irmão Maurício, dizia:

- “Cale-te”, ninguém me ganha nesse jogo!


O meu Pai dizia:

- O meu Pai, seu avô, vendeu uma padaria para me ensinar esse jogo!


Falava-se de futebol, do Vasco, era só alegria.

O parceiro do meu Pai neste ano foi o nosso primo Beto, ele era um pouco gago, ainda mais quando ficava nervoso.

A minha irmã desistiu, também ela só era chamada de “burra”!

Isso era só o início, ficava um bebendo cerveja, o outro vinho e “beliscando” alguns aperitivos que mamãe generosamente ia colocando na mesa.

O tempo foi passando e o meu pai perdendo. O Maurício e o Ricardo não perdoavam e começaram a “sacanear” o meu pai por isso. Ele tinha o pescoço duro por causa de uma calcificação, como não podia virar o pescoço para olhar para o lado e falar com as pessoas, precisava levantar um pouco da cadeira e virar o corpo acertando o colarinho da camisa, sabe, ele nunca se deixou abater, não estava nem ai para aquilo e eu o admirava muito pela fibra que ele tinha ...

Pois bem, ele virou e falou :

- Não fo - - não, vocês estão dando sorte !

Virou para o Beto e disse :

- Pô Roberto, você tem que contar as cartas!

O Roberto já nervoso, respondeu:

- Ti ti tio pooo xá xá viii vida, eeeu tô tô cocontannnndo, é que que nãoooo tá tá tá vinnndo nanaaaada!

O Maurício adorava, ria o tempo todo, existia uma certa tensão, o Maurício ficava sacudindo as pernas o tempo todo por debaixo da mesa e o Ricardo torcia o pescoço e levantava levemente a bunda da cadeira e a cada jogada errada do “velho” o Maurício apontava para a mesa e dizia :

- Olha lá, olha lá, á carta que eu queria, obrigado Pai!

Até que ele, Maurício, exagerou e falou!

-Ta muito fácil, assim não jogo mais!

Os dois riram de se acabar e o meu Pai “cuspindo marimbondo” olhou para o Beto ...

- Iiiiiiiii nããããão ooooolha pra pra pra miiiiim nanããããão quê quê euuuuu nanãããão te te tenho cú cú culpa nenhuuuma!

Eu senti que a situação estava crítica, fiquei do lado só observando até que, o meu Pai por causa do nervoso, cometeu um erro e fez uma jogada errada;

E o Beto falou:

- Iiiiiiii tá tá tá veveennndo á á me me merda quê quê tu tu fê fê fez!

O meu irmão Maurício se jogou no chão de tanto rir, o Ricardo não conseguia nem falar até que conseguindo se controlar e “esmerdalhou” tudo falando:

- Acho que o meu avô gastou dinheiro a toa para te ensinar!

O meu Pai jogou as cartas na mesa, saiu se sacudindo todo igual a um boneco, empurrando a camisa para trás, puuuuuto da vida gritando para minha mãe :

- Léa trás os bolinhos de bacalhau!

A minha Mãe lá da cozinha, gritou:

- Pára com isso Walter, que gritaria é essa, você perdeu?

E ele respondeu, vermelho igual a um camarão:

- Não me “aporrinha” não, Léa, faz favor!

Não posso deixar de dizer, eu quase fiz xixi nas calças, caia lágrimas dos meus olhos de tanto rir.

Logo depois chegou a minha Mãe com os bolinhos de bacalhau quentinhos e falou carinhosamente para ele:

- Deixa de ser bobo Walter é brincadeira deles, come esse bolinho, está uma delícia e colocou na boca dele.

Só os maravilhosos bolinhos de bacalhau da minha Mãe para acalmar os ânimos.

À tarde, após almoço, dormia um aqui, outro ali e é claro, o Maurício e/ou o Ricardo sempre arrumavam um jeito de pintar o rosto de alguém enquanto dormia.

Ao entardecer chegava a minha Tia Irene com a minha querida Avó Maria, uma portuguesa daquelas de “bigodinho” com o seu sorriso “gengival”, detestava usar dentadura.

No Natal, ela sempre gostava de beber uma taça de vinho (português) e um cálice de bagaceira portuguesa. Contava que em Portugal, ela é que fazia a bagaceira.

Após a sua morte aos 96 anos, nunca mais conseguimos reunir todos em um mesmo lugar e o Natal nunca mais foi o mesmo.

Na hora da ceia, farta e variada, todos acabavam comendo um pouco mais do que o necessário.

Fazia-se um brinde, com um gostoso “feliz Natal”, sorrisos “abertos”, olhos marejados de felicidade, uma pequena prece, abraços e beijos, promessas de dias melhores, palavras de amor e carinho.

Saía dali com a certeza de que Eu e todos ali, nunca ficaríamos sozinhos.


Sidney Paternoster Esteves
Rio, 17 de Janeiro de 2009

Histórias do Casarão (Segura a galinha!)



Era um Domingo lindo de primavera, estávamos no casarão de São Cristovão, eu, minha mãe e meu irmão, meu pai já havia saído.


Eram mais ou menos 9h30, estávamos ainda na cama e a campainha da porta tocou.


Era dona Dora, uma senhora de aproximadamente 65 anos, corpulenta, muito sorridente e brincalhona.


- Como vai dona Lea, e as crianças estão bem?

- Ta tudo bem dona Dora, mas essa casa é muito grande e essas crianças fazem uma bagunça danada, deixam tudo espalhado, qualquer dia desses, não sei não...
Largo tudo por aí e sumo!

- O que é isso dona Lea?! É assim mesmo, a minha filha já está adulta, graças a Deus, mas ainda me dá um bocado de preocupação...

- O pai deles sai cedo de “banhozinho” tomado, pega o carro e vai jogar sueca com os amigos lá na Capitão Salomão, em Botafogo, e não tem hora para voltar. Às vezes, quando tem jogo do Vasco, ele emenda e vai para São Januário.
Minha filha, rezo para o Vasco ganhar, porque quando ele perde é um nojo para aturar.

- Homem é assim mesmo dona Lea, o importante é não faltar nada dentro de casa, né?!

- Ah, isso é verdade! Tem muita fartura de comida e tudo o que eu preciso ele compra, é só eu ficar aborrecida que ele vem todo carinhoso trazendo um presentinho, um agrado... Sabe dona Dora, ele pode ser o que for, mas eu amo o meu marido.

- Dona Lea, ele vai sempre para esse jogo de sueca, a senhora não tem medo de ele te trair com outra mulher?

- Ele é que não se faça de besta, eu pego ela pelos cabelos e não solto mais...

- Ué, dona Lea, é nele que a senhora teria que bater e não nela!

- Nada disso, ele é homem, se fizer isso é porque a “vagabunda” se insinuou.
Como dizia minha mãe, o homem sacode as calças e a mulher cria barriga.

E eu ali, naquela hora da manhã, escutando aquele papo todo com o travesseiro sobre minha cabeça apertando-o em meus ouvidos, tentando dormir mais um pouquinho, que coisa desagradável, por que essa mulher não vai embora, droga?

- Dona Lea, o papo está muito bom... mas acabei até esquecendo o que ia dizer, ah ... a senhora sabe matar galinha?

- Eu, “desconjuro”! Nunca matei galinha em minha vida, dona Dora!

Levantei a cabeça, o quê?
Não acredito no que estou ouvindo...

- É que eu ganhei uma galinha da minha filha, ela trouxe lá do sítio e vem para almoçar comigo. Pediu para eu preparar ao "molho pardo”, aquele que é feito com o sangue dela, sabe?

- Eu sei, Dona Dora, a senhora me desculpe, mas eu não vou poder te ajudar.

O meu irmão Maurício (13 anos), levantou do sofá e falou...

- Eu sei matar galinha dona Dora!

Dessa vez caí no chão pelo pulo que dei.

- Você “sabichão”, sabe matar galinha?

- Onde já se viu?! Meu filho nunca matou uma galinha, aliás, não mata nem mosca!
Não fica inventando moda Maurício, não vai me arrumar outra confusão, por favor!

- Deixa ele dona Lea, ele é um menino corajoso, se ele quiser pode matar a galinha.

- Oba! Vou mostrar para vocês, eu vi na televisão um homem matando uma galinha, é fácil!

Eu estava perplexo, inerte, não podia acreditar no que estava ouvindo!

- Dona Dora, eu não me responsabilizo, isso é loucura, um garoto matar uma galinha, coitada!

- Deixa disso, vamos lá, todos lá para casa dar uma força para ele!

Que mulher louca! Será possível?! Essa eu vou ter que assistir!

A casa de dona Dora era muito bem decorada, com móveis antigos, muito finos, dava gosto de ver.

A cozinha era espaçosa, com armários embutidos de madeira maciça, tinha uma bancada de mármore bege Bahia muito grande, muito bem arejada com um basculante em cima da pia.


Tudo brilhava como espelho. Na sala, o chão era todo de tábua corrida com um lindo tapete (parecia persa) e tudo muito bem iluminado.


- Vamos lá “sabichão”, aqui está a galinha, já está amarrada pelos pés para facilitar.

Bem, só pelo modo que meu irmão pegou na galinha dava para ter uma idéia do que iria acontecer.

- Dona Dora, a galinha que eu vi sendo morta na TV não estava amarrada nos pés, é melhor desamarrar as pernas dela e fazer igual.

- Maurício, meu filho, pare com isso, você não vai conseguir. Dona Dora, a senhora me desculpe, mas é melhor chamar outra pessoa, ele é um garoto!

- Dona Lea, a senhora tem que acreditar mais no seu filho, ele é novo, mas muito maduro e corajoso para a idade dele.

Essa mulher está delirando, só pode!

- Dona Dora, traz uma vasilha para eu colher o sangue e um banquinho para eu me sentar.

- E a faca “sabichão”, cuidado que ela está bem amolada, hein!

- Deixa na bancada, eu vou matar e depois cortar em baixo do pescoço para tirar o sangue.

Essa eu quero ver!

- Como é que você vai matar “sabichão”, não é com a faca?

- Não, primeiro pego ela, coloco entre as pernas, igual vi na televisão, torço o pescoço dela depois tiro algumas penas do pescoço e corto a “veia”. Depois é só colocar na vasilha o sangue segurando a cabeça dela, é fácil!

Deus, não acredito, será possível, que raios de programa é esse que ele viu na televisão?!

- Ta bom “sabichão”, vamos lá com isso!

Existia uma expectativa muito grande, minha mãe fechava os olhos e mordia os lábios.

Dona Dora estava tensa e suava muito e eu, cara.......ca , não sabia o que fazer!


Quando meu irmão colocou a galinha entre as pernas e torceu o pescoço da pobrezinha, ela deu uma cacarejada tão alto que ele jogou a galinha para o alto e correu para a sala. Pingava sangue para tudo que é lado!

Nessa altura dos acontecimentos, minha mãe estava na porta da frente que estava entreaberta, em pânico total gritando socorro...

Dona Dulcinéa, outra vizinha, mulher do seu Antônio, jornaleiro, desceu a rua ainda de camisola, junto com seu Antônio, que estava de pijama e com o jornal embaixo do braço, com os olhos esbugalhados e perguntando “o que houve, meu deus?”. A minha mãe gritava para ela, “é a galinha!”

Dona Dora, coitada, estava pálida e em choque, só mexia o tronco, os seios dela, que iam até lá quase na cintura, balançavam de um lado para o outro por baixo do vestido, e gritava “fechem a porta e o basculante, que ela vai sair!”.


Eram penas e gotas de sangue para tudo que é lado, paredes, chão, tapete (persa?)...

Até que a pobre galinha parou em cima do sofá formando uma poça de sangue, exausta e agonizando.

Dona Dulcinéa recolheu a bichinha e a levou para a cozinha. Tinha umas oito pessoas da vizinhança na casa de dona Dora, quando a campainha tocou...


Minha mãe, mais próxima da porta, abriu... e, para nossa surpresa, era o meu pai.


Essa eu vou deixar ele falar:

- Oi Lea! Soube que tem uma galinha ao molho pardo para comer!

- Walter, não me fale em galinha porque eu não me responsabilizo pelos meus atos, VÁ PARA LÁ JUNTO DOS SEUS AMIGOS JOGAR A SUECA E NÂO APAREÇA TÂO CEDO!

Meu pai não entendeu nada, coçou a cabeça e entrou...

Nunca vi mamãe tão nervosa, que confusão! Na cozinha tinha penas ainda voando!

Logo tudo se acalmou, as pessoas foram indo embora, mamãe ajudou na limpeza junto com meu irmão que já estava com as orelhas vermelhas, de tanto puxão que minha mãe deu.

Enfim, a galinha ao molho pardo ficou pronta, dona Dora fez questão que a gente almoçasse com ela, pois a filha dela, acredite, ligou dizendo que não podia ir almoçar.


Meu pai sentou-se à mesa e... vou deixar de novo ele falar:

- Dona Dora, a galinha está muito boa, só falta mais molho pardo!

Minha mãe, de punho fechado, encostou no nariz dele e disse:

- Cala a boca, Walter!

Que dia, inesquecível, cara........ca !!



Sidney Paternoster Esteves
Rio, 03/12/2008