sexta-feira, 17 de julho de 2009

Histórias do Casarão (Quanto vale esta casa?)


Naquela tarde de sábado, recebi o corretor de imóveis para fazer a avaliação da casa dos meus pais.Estava muito inseguro quanto ao valor do imóvel e cheguei até a dizer para ele quanto estava pretendendo obter.Aquela situação não era nada fácil para mim...

_ ... É uma casa muito boa, é clara, arejada, também com o “pé direito” desse tamanho! Escada de madeira maciça, muito bonita, este bar em baixo da escada ficou ótimo!

Lembro-me quando Papai comprou a casa e nos levou para conhecê-la. Os olhos dele brilhavam, estava muito feliz, mais do que a minha mãe, e só falava do espaço, do tamanho dos cômodos, do quintal com árvores frutíferas...
Quando chegamos ficamos assustados, afinal, morávamos em um apartamento na zona sul com apenas um quarto e de repente fomos parar na zona norte, naquele casarão de dois andares com vários cômodos que lembrava aquelas casas antigas mal assombradas.
Na sala e saleta havia aqueles lustres antigos de madeira, as paredes estavam manchadas e precisando de pintura, os quartos grandes e com imensas varandas. O banheiro era enorme, tinha aquela banheira antiga esmaltada e espaço de sobra para colocar muitas coisas, o quintal imenso cheio de mato onde podíamos ver nos fundos uma casa mal conservada com um jirau onde continha quinquilharias como caixas com azulejos antigos, peças de máquinas, enxadas e picareta. Soube que no passado era a casa dos empregados.
Sabe de uma coisa, naquela época nos divertimos muito naquela bagunça...

_... Puxa que cozinha grande, tem dispensa também, banheiro muito bom!

Eu me lembro do primeiro dia em que ficamos na casa. Como poderia esquecer...
Era um dia chuvoso e estávamos todos na saleta assistindo televisão. Eu, meus irmãos, meus pais, e um amigo de meu irmão chamado Alfredo ou Alfredinho...
Assistíamos a um filme de suspense e o clima era de tensão. Com toda aquela chuva e vento o basculante da saleta batia levemente criando um clima ASSUSTADOR...

Na verdade, ninguém se atrevia aa subir aquela escada para dormir sozinho...

Meu Pai parecia calmo e feliz com tudo aquilo, a minha Mãe estava um pouco assustada, imaginem eu e as crianças!

De repente uma coincidência daquelas, em uma cena na televisão escuta-se um grito, juntou com um forte vento que derrubou o basculante e o Alfredinho deu aquele grito de TERROR...

Não ficou um na saleta! Foi terrível ter que sair todos pela mesma porta... Até o meu Pai correu gritando e xingando, “pô, vai gritar assim na p...!”, nunca vi meu Pai tão assustado...
Depois rimos um bocado...

Jamais esquecerei este dia, acho que nenhum de nós...

_... O quintal é muito bom tem árvores frutíferas, churrasqueira, piscina... bem...

Lembro-me que colhemos muitas mangas e goiabas, os garotos da vizinhança viviam tocando a campainha e ás vezes chegava a irritar de tanto que pediam aos meus pais as mangas que ficavam no chão. Meus pais enchiam sacolas e mais sacolas e dava para eles, no fundo acho que eles gostavam de dar aquelas mangas para as pessoas porque elas saiam felizes e sorridentes.

Houve também a “caça aos ratos”, eram muitos no quintal, todos de mobilizaram. Meu Pai fez de tudo para eliminá-los: contratou empresas, colocou fumaça, até que alguém deu uma idéia, “coloque alguns gatos”!. Não é que deu certo! Chegamos a ter vários gatos com nomes muito interessantes: “garçom”, ”vasquinho”, “pé de pano” e “fifi”.

O dia da inauguração da piscina e da churrasqueira foi inesquecível. Compareceram colegas, parentes e até vizinhos...

Na verdade, aquela churrasqueira e piscina, foram motivo de muitas festas, casamentos e aniversários onde a família e amigos se reuniram. Sem falar do Natal e Carnaval. Mas teve uma que foi inesquecível talvez a mais animada, a festa junina.

Meu Pai um dia cismou de fazer uma festa. Ninguém acreditava que ia dar certo e acabou dando. Teve de tudo, fogueira, pescaria, casamento na roça, fiz até o papel de padre, essa foi inesquecível...

_... Seu Sidney, o senhor esta me escutando?

_... Ah, sim, desculpe-me!

_... Como eu ia dizendo, a casa é muito boa, porém a localidade não ajuda, infelizmente o valor está bem abaixo de suas expectativas. Fica em torno de,vamos ver...

O tempo passou, todos cresceram e você meu querido Pai se foi...

Ouça Pai, onde quer que você esteja, essa casa não tem sentido sem você, foi o seu “sonho” ou melhor, o seu “castelo dos sonhos” onde você reinava com grande bravura...

Todas aquelas tardes quando voltávamos do estádio de futebol, os gritos, as brigas, as piadas, os jogos de cartas que nunca gostei de participar por causa da confusão...

Sinto, muita saudade... De tudo...

_... Bem, seu Sidney, eu vou tentar um preço melhor e voltaremos a falar na segunda-feira para definirmos quanto vale esta casa, ok!? Um grande abraço e... não desanime, hein!?

_... Tudo bem! Obrigado, até lá...

Sidney Paternoster Esteves
Dezembro 2002

Conto publicado nos livros : Novos Talentos do Conto Brasileiro e Panorama Literário de Contos (Melhores contos publicados em 2009), pela Câmara Brasileira de Jovens Escritores.